Em um cenário global de crescentes tensões, a Alemanha reacende o debate sobre o serviço militar, com um modelo inicialmente voluntário, mas que carrega o peso do medo e da incerteza. O país, que suspendeu o serviço militar em 2011, busca agora, em 2025, atrair jovens para as Forças Armadas (Bundeswehr) através de um questionário obrigatório para homens com 18 anos ou mais, avaliando sua disposição para servir a partir de 2026. A medida, inspirada em modelos nórdicos, surge como resposta à política russa vista como expansionista e à invasão da Ucrânia em 2022.

Fonte: CNN Brasil
O Questionário da Disposição
O novo sistema implementado pela Alemanha exige que todos os jovens que completam 18 anos em 2026 preencham um questionário para avaliar sua disposição de servir na Bundeswehr. O preenchimento será obrigatório para homens e voluntário para mulheres, com exames médicos também obrigatórios. O governo alemão espera alcançar uma meta de 260 mil militares na ativa e 200 mil reservistas, visando preparar o país para uma possível guerra até 2029, segundo o Ministro da Defesa.
Integrantes da coalizão de governo liderada por Friedrich Merz anunciaram detalhes do novo sistema, que oferece um salário mensal bruto de € 2.800 – considerado elevado para jovens alemães – e subsídios para obter a carteira de motorista como incentivos para atrair voluntários. Em 2026, 300 mil jovens deverão se submeter ao processo.
Incentivos e o Gatilho da Obrigatoriedade
A Alemanha, seguindo protocolos da OTAN, precisa aumentar seu efetivo dos atuais 182 mil integrantes para até 260 mil em 2035. O sistema de questionário é inspirado no modelo sueco, onde todos os jovens de 18 anos são obrigados a completar o formulário, mas apenas uma pequena porcentagem é chamada para testes físicos e psicológicos, e destes, apenas um terço serve efetivamente.
A questão central reside no que acontecerá se o número de voluntários não for suficiente. Inicialmente, o serviço militar permanece voluntário, mas existe um “gatilho” para a obrigatoriedade. Caso as Forças Armadas não consigam atrair jovens suficientes a partir de 2026, o Parlamento alemão poderá decidir sobre um sistema de recrutamento militar obrigatório baseado na demanda. Este modelo poderá incluir um processo de seleção aleatória para preenchimento de vagas.
O Medo e a Vulnerabilidade Revelados
A reintrodução, mesmo que parcial, do serviço militar na Alemanha, levanta questões sobre o estado da segurança europeia e a percepção de ameaças. A Europa, que acreditava poder comprar estabilidade com comércio e tratados, viu essa ilusão ser destruída pela invasão russa da Ucrânia. A Alemanha, ao reabrir a porta para o serviço militar, confessa uma vulnerabilidade que preferia manter escondida.
Como apontado pela CNN Brasil, o questionário alemão é mais do que uma triagem administrativa: é um espelho. Reflete o medo de um continente que envelhece, divide-se politicamente, depende de alianças frágeis e descobre, talvez tarde demais, que a paz não é um estado natural, mas uma disciplina. Exige preparação, investimento e, sobretudo, coragem cívica para encarar o mundo como ele é. A Europa não está apenas a reforçar capacidades militares, está a tentar reconstruir certezas.
Questões em Aberto e o Debate Contínuo
Apesar do acordo entre os partidos da coalizão, algumas questões permanecem em aberto. Não está definido o que ocorrerá se um recruta se apresentar, for escolhido para servir, mas se recusar a pegar em armas. Também não foi definido como a regra se aplica às mulheres. A lei alemã exige que o alistamento obrigatório feminino só pode ser instituído se houver uma emenda à Constituição, que só pode passar com uma maioria de dois terços do Parlamento. O debate sobre o papel das mulheres e a necessidade de uma emenda constitucional para o alistamento feminino permanece um ponto de discussão.
O futuro do serviço militar na Alemanha e o impacto dessa decisão na segurança europeia permanecem incertos. A resposta dos jovens alemães ao questionário e a capacidade do governo de atrair voluntários determinarão se o “gatilho” para a obrigatoriedade será acionado, consolidando um retorno completo ao serviço militar obrigatório. A Europa observa atentamente, consciente de que este é um momento de reavaliação e preparação para um futuro incerto.